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Há um Genocídio em Curso no Brasil

- MathVaz (26/03/25)


Muitas coisas ao nosso redor não são nítidas. Isto porque a realidade não é algo fácil de se entender. É complexa, tem várias camadas, requer reflexão, autocrítica e aprendizado. E, mesmo com tudo isso, às vezes não chegamos a compreender fenômenos que estão aqui do nosso lado. Se para muitos é difícil ver e aceitar que na Palestina está acontecendo um genocídio, é mais difícil ainda ver e saber que aqui no Brasil há o mesmo em curso.



A Badaró é uma revista especializada em jornalismo em quadrinhos.
A Badaró é uma revista especializada em jornalismo em quadrinhos.


Esta é a proposta que a edição de Outono de 2024 da revista Badaró traz. Uma revista especializada em jornalismo em quadrinhos, que conta através de reportagens duas lutas que estão intrinsecamente conectadas, por mais distantes que estejam geograficamente.

A Luta pela Terra é o título da edição, mostrando que no Brasil e na Palestina os povos originários enfrentam limpeza étnica e tem seus territórios roubados. Na primeira reportagem temos as Memórias da Intifada, um levante generalizado em todo território palestino contra a ocupação, o apartheid e o genocídio cometido pelo Estado de Israel. É através de uma entrevista realizado com Nassim, um palestino-brasileiro em diáspora, que temos acesso a momentos muito particulares e generalizantes que marcaram a vida dele, desde criança, quando tomou partido na Intifada, durante a década de 1980.

Eu falo particular e generalizante ao mesmo tempo porque é algo que ele viveu ao mesmo tempo que é sistêmico. E aprendemos a ver que há um sistema, um Estado Colonial em ação, quando suas memórias de infância não envolvem só ele, mas todos os seus amigos, crianças, adolescentes e jovens de uma geração inteira. Alguns chamam esta marca de Zeitgeist, o espírito de uma época. E para as crianças que cresceram sem sua terra e submetidos a uma limpeza étnica, o espírito de sua época não mudou desde 1948 até os nossos dias. O espírito é de revolta.


Então, o povo não aguentou mais, aí começou a Intifada. É uma luta com o que as pessoas têm. Você tá vendo uma luta contra a desigualdade, a injustiça, aí você participa também, entendeu? Com 13 nos eu já tava jogando pedras também. Tentando fazer parte do que o povo palestino tá fazendo. A resistência começou com pedras. E todos, as crianças até 10 anos, 11 anos, participavam.

Lembra que eu falei que a realidade é complexa, difícil de se entender? Pois bem, apenas ano passado eu me toquei de que se uma cidade, uma região, um bairro ou um país são bons para as crianças, quer dizer que são bons para todo mundo. O oposto também é verdadeiro. Se um Estado mata determinados tipos de criança, por origem ou cor da pele, é um país ruim para todos. Daí a importância de resgatar estas memórias de uma criança que sobreviveu a Intifada. Porque elas são as mais sensíveis a tudo ao nosso redor, as mais afetadas em qualquer conflito, seja de guerra ou desigualdade social. Porque elas também são os vetores da transformação da realidade presente.

Por isso elas são os alvos e sempre serão em qualquer genocídio. Fazer uma criança perder a esperança é fazer um povo inteiro perder a vontade de construir um presente. Como uma criança pode ser o futuro de um país se ela é morta no presente, impossibilitada de viver e construir o agora?


A gente não se enxergava como crianças, mas como guerreiros. Imagina uma criança de 12, 13, 14 anos se ver como um combatente achando que vai libertar seu país? Tirando essa energia pra parar a humilhação que a gente vinha sofrendo.

São através destas memórias que conseguimos reconstruir a realidade de um passado que, ainda presente, continua, apesar de tudo, sendo enfrentado. E o maior mérito das duas reportagens desta edição da Badaró está em reconstruir não tanto pela violência sofrida pelos povos, mas pela sua luta. Acessamos suas memórias doloridas para compreender os motivos da luta.



A Revista Badaró tem periodicidade trimestral, sendo lançada sempre em estações diferentes.
A Revista Badaró tem periodicidade trimestral, sendo lançada sempre em estações diferentes.


Na segunda reportagem, também temos contato com isso. Em Apesar dos Arames do Agro, os povos indígenas continuam lutando contra o Estado brasileiro, que tenta exterminá-los desde a colonização portuguesa. No caso da reportagem, é sobre o assassinato de um Guarani-Kaiowá pelas mãos da Polícia Militar e Milicias da região, durante um processo de retomada de suas terras originárias.

Ou seja, durante um processo de luta, de retomar seus próprios territórios tomados pelo agronegócio, é que vemos que o Estado brasileiro só chega a determinadas regiões com seu braço repressor e assassino. Um modus operandi tão antigo, que apenas em 1988 os povos indígenas passaram, pela constituição, a serem considerados cidadãos do Brasil. Antes eles eram o quê?

Daí o silenciamento de séculos de um genocídio em curso ainda hoje. Um silêncio ainda a ser rompido, um genocídio que ainda espera ser noticiado amplamente em território brasileiro, uma limpeza étnica ainda a ganhar a sensibilidade da maior parte da população do Brasil.

Se muitas coisas ao nosso redor não são nítidas, sem dúvida a Revista Badaró vem para nos ajudar a enxergar. Sem superficialidades, simplificações ou coisa do tipo. Apenas uma boa história contada com profundidade. Se você gosta de quadrinhos ou se você gosta de reportagens, o jornalismo em quadrinhos de Noberto Liberator, Marina Duarte e Vitória Regina está aí para suprir nossa necessidade de conhecer um pouco mais dos crimes cometidos contra a humanidade e as lutas esperançosas dos povos.

Até a próxima estação e lembre-se: o Brasil é terra indígena e a Palestina será livre, do rio ao mar!

Grande abraço.


2 Comments


Rapha Pinheiro
Rapha Pinheiro
Mar 26

E vamos combinar: que capa linda!

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mathvas97
Mar 27
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Muito lindaaaaa

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