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O QUE FALTA NO QUADRINHO BRASILEIRO?

- Tassiane Ribeiro


Só querer fazer série ou revistas curtas não é suficiente para sair do nicho


Se você faz parte da comunidade de quadrinhos no Brasil, não será novidade dizer que temos um nicho bastante seletivo, certo? Quem lê quadrinho aqui costuma ser mais velho que o público leitor geral, grande parte masculino, e que tem demonstrado cada vez mais um interesse em obras ditas “de luxo”, como edições especiais e dignas de prêmio.

Um quadrinista, como todo autor, deve pensar em qual público ele deve alcançar. Conhecendo bem o grupo de leitores de quadrinhos, talvez continuemos apenas a alimentar a bolha até que ela se torne insustentável, sem uma renovação no público-alvo, por exemplo. Nesse sentido, é preciso entender que o exagerado e o mínimo não são suficientes para se consolidar nessa área.



Múltiplas lombadas
Múltiplas lombadas



O problema das revistinhas

Começar de forma curta é essencial para todo quadrinista, principalmente como forma de estudo. Histórias curtas, de três a cinco páginas, por exemplo, oferecem um espaço confortável para quem ainda tem certa timidez de explorar enredos mais complexos.

Contudo, o público leitor no Brasil, seja de quadrinhos ou não, é muito ligado ao hobbie de colecionar livros. Basta abrir um perfil booktok, por exemplo, e você verá estantes coloridas e catalogadas como uma estética ideal à venda. São poucos os leitores, mas eles gostam de lombada. Gibis curtos como esses de três páginas raramente encontrarão espaço nessas estantes transbordando livros. Quem frequenta as feiras e eventos certamente já vivenciou essa experiência: os quadrinhos com lombadas no estilo “canoa”, com o preço mais acessível, perdendo espaço para edições de capa dura, com lombada costurada e o preço mais elevado.

Esse tipo de leitor leva até o nome de “lombadeiro”, e são frutos de um colecionismo alavancado pelo próprio mercado editorial. Dá para fazer um paralelo com os “livros de mesa”, ou “coffe table book”: livros com fino acabamento e uma estética atrativa. Quem tem a posse deles expõe um produto cultural, um modo de vida e, claro, uma estante bonita. Esse fenômeno fez até mesmo editoras que antes não publicavam quadrinhos voltarem o olhar para essa forma de publicação.

Mesmo com os preços cada vez mais altos nas edições de livros e quadrinhos, o colecionismo persiste como um interesse do público. Para quem realmente quer se inserir no mercado, e não apenas passar a visão de estudante/iniciante, é necessário almejar algo maior. Veja bem, não é sair simplesmente de 3 páginas para 24, mas, aos poucos, ir explorando os enredos, a construção de mundos e personagens, e, de repente, você salta de 24 para 160 páginas, por exemplo.


O "lombadeiro" foca nas imagens bonitas que formam na sua estande.
O "lombadeiro" foca nas imagens bonitas que formam na sua estande.



O problema das séries sem fim

Muito provavelmente, na sua estante você vai encontrar o primeiro volume de uma série de quadrinhos (ou mais, se tiver sorte) que nunca teve fim. O sentimento é o mesmo de assistir a uma série que logo será cancelada, ou aquela saga de livros de fantasia que parou no quinto volume e o autor jamais chega a uma conclusão (alô George R. Martin).

Isso não é apenas frustrante para o leitor, como também para o próprio autor. É muito comum que quadrinistas iniciantes venham com uma ideia super elaborada de uma série com dez, vinte volumes, isso sem antes experimentar a recepção daquela obra pelo público. Ou, indo mais além: estipula uma tiragem muito alta para o lançamento, sem levar em consideração a seletividade dos leitores. O resultado pode ser decepcionante: a obra pode não ter um público considerável a ser alcançado, causando um prejuízo para o autor e uma frustração para o seleto grupo que resolveu investir naquela trama.

Uma série que termina sem uma conclusão descredibiliza os quadrinistas em geral e coloca uma suspeita no público, que começa a enxergar isso como um padrão de publicação. Além disso, o próprio aprendizado do quadrinista é prejudicado pela interrupção da narrativa, porque cada história criada também é um processo evolutivo para ele. Nesse caso, é melhor pensar em minissérie ou história fechada, principalmente para entrar num mercado embrionário como é o mercado de quadrinhos.



O problema da bolha

A última pesquisa “Retratos da leitura” no Brasil (2024), do Instituto Pró-Livro, deu um banho de água fria em muita gente que está inserida nesse meio (sem contar apenas literatura). O principal motivo: a parte não leitora se tornou maior que a parte leitora. Mas uma coisa se destacou: o leitor brasileiro ainda é majoritariamente feminino e está cada vez mais jovem e influenciado pelas redes sociais.

Já dá pra imaginar que o perfil comum de leitor brasileiro e o perfil de fãs de HQs e mangás está diferente. Este último ainda é de maioria masculina e mais velha; na pesquisa citada, representa cerca de 10% dos gêneros de livro lidos no país. Por outro lado, nunca foi tão fácil publicar e ser publicado: sem a necessidade de passar por um “refinamento” de editoras, os quadrinistas (e autores num geral) têm maior liberdade para adentrar esse mercado. Se toda história tem o objetivo de ser lida, será que vai haver público para ela?

Talvez esses números indiquem um perfil de leitor que pode ser impactado pelo mundo dos quadrinhos: o desafio agora é atingir a linguagem dele(a). As diversas possibilidades de publicação já trazem em si maior diversidade no ramo dos autores – e essa diversidade pode e deve impactar também o público de leitores de quadrinhos no Brasil.

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